Educação
Há 67 anos, a palavra inclusão já fazia sentido
A direção da Escola Especial Alfredo Dub valoriza a memória de sua fundadora e, nesta sexta-feira, faz a entrega do Troféu Maria de Lourdes Furtado de Magalhães a 39 parceiros
Jerônimo Gonzalez -
O olhar atento de visitadora sanitária acabou por gerar um sonho. Ao percorrer residências, no campo e na cidade de Pelotas, desde o início dos anos 1940, a jovem Maria de Lourdes Furtado de Magalhães identificava uma mesma cena: pessoas com deficiência, de todas as idades, alijadas do processo de ensino. Pouco saíam de casa. Ali, daquela inquietação, nascia a semente do que, em setembro de 1949, se transformaria na Escola de Educação Especial Alfredo Dub; a primeira instituição do gênero no Rio Grande do Sul.
Hoje, 67 anos depois, a direção institui o troféu que ganha o nome da fundadora para destacar parceiros que, ao longo dessas mais de seis décadas, permitiram a manutenção e a ampliação dos serviços. É uma distinção que, acima de tudo, resgata a história da professora Maria de Lourdes. “É uma justa homenagem, que valoriza o trabalho de pessoas de bom coração. Um trabalho que até hoje transforma vidas”, enfatiza o presidente Gladimir Machado.
Reencontro e emoção
A distribuição de abraços foi natural. Desde a porta de entrada. A professora Raquel Sokolovsky, 85, foi a primeira pessoa a assumir o comando da escola, após a morte de Maria de Lourdes, em 1977. Na última quarta-feira, a ex-diretora retornou aos mesmos corredores do prédio que acompanhou ser construído, de 1970 a 1978, na rua Zola Amaro. E foi com o velho caderno Pequenos cursos e exercícios de linguagem em mãos que Raquel concedeu entrevista ao Diário Popular. Um convite, aceito, para resgatar memórias.
Foram exatos 33 anos de dedicação à Alfredo Dub; o suficiente para afirmar com convicção: o amor de Maria de Lourdes pelo ofício era tanto que não reconhecia estar doente. Não queria parar. E na caminhada dura em busca de apoio e de verba para apostar na educação especial - quando o tema ainda era pouco debatido no Estado e no país - não foram poucas as vezes em que desembolsou recursos, tanto para garantir o andamento das atividades quanto para auxiliar alunos e familiares. Era preciso conter os gastos. “Ela era de uma generosidade sem limites”, resume. E, logo, trata de mencionar alguns dos tantos nomes que se juntaram à trajetória de luta: Flora Bendjoya, Dora Piltcher, Antoninha Fabião... Raquel estava preocupada em distribuir o destaque que entende ser de muitos profissionais, ao longo dos anos.
E antes de se despedir de antigos colegas, a fonoaudióloga aproveitou para circular pela escola e conversar com a gurizada. Com auxílio de intérprete da Língua Brasileira de Sinais (Libras), vieram à pauta - por curiosidade dos jovens - episódios em que os surdos eram repreendidos no Brasil e no mundo para não sinalizarem. Eram obrigados a desenvolver a fala, ainda que precariamente e sob repressão. Hoje, a legislação os ampara: a Libras é reconhecida como primeira língua; só depois vem o Português. Um bate-papo que a faz afirmar, com a mesma força de quando permanecia na ativa: “Os meus professores são os meus alunos”.
Uma vida dedicada à educação
Solteira, sem filhos, Maria de Lourdes dedicava-se integralmente ao ensino de crianças, jovens e adultos especiais. Filha do médico arroio-grandense Dionísio Magalhães, cedo ficou órfã de mãe e, logo, mudou-se para Pelotas para morar com as tias. Por aqui, também não tardou para transformar um dos grandes salões da Cruz Vermelha Brasileira - onde atuava -, na rua Félix da Cunha, em sala de aula. Só em 1960, firmava convênio com a Secretaria Municipal de Educação e recebia a cedência da primeira professora.
“Ela era uma pessoa muito pura, desprovida de interesses pessoais.” Quem afirma é a prima Denise Kaufmann, 67, e recorre ao álbum de família para confirmar os firmes laços entre as primas-irmãs Guiomar (mãe de Denise) e Maria de Lourdes, a Zizia, para os mais chegados.
Até hoje, está nas mãos de Denise o compromisso de cuidar do túmulo da professora e, não raro, uma mesma cena se repete: quando chega para limpá-lo já está ornamentado. “A memória dela é reconhecida na singeleza destes atos das pessoas que o decoram”, ressalta, ainda antes de percorrer, emocionada, salas e corredores da Alfredo Dub.
De aluno a funcionário
A timidez de Orlando Borges, 63, rápido desaparece quando o assunto em pauta é a trajetória de Maria de Lourdes. Foi no convívio com ela, que o guri, então aluno, oito anos mais tarde, em 1972, tornou-se funcionário da instituição, de onde nunca mais se afastou. Até hoje é assim. “Tenho muito carinho por ela.”
E, o melhor, desde o final do ano passado, agarrado ao lema Você pode ser o que quiser, Orlando voltou a estudar. Está no primeiro ciclo da Educação de Jovens e Adultos (EJA): “Pra mim tá valendo muito a pena”. É o mesmo sentimento, de valorização da autoestima, que, lá na década de 1940, a fundadora da escola já pretendia esparramar sobre os alunos.
A escola hoje
Atualmente, o trabalho filantrópico é desenvolvido em duas frentes: a escola bilíngue de surdos e o Centro Integrado de Atendimento Educacional (Ciae). Conheça alguns dos serviços prestados:
Estimulação precoce, Educação Infantil, Ensino Fundamental de nove anos, Educação de Jovens e Adultos (EJA), além de projetos de xadrez, ensino itinerante, informática educativa, teatro, hora do conto, esportes e lazer.
Atendimentos especializados em neurologia, psicologia, fonoaudiologia e atendimento psicopedagógico para alunos da escola e da rede regular de ensino.
Orientação sistemática às famílias, grupos de convivência, oficinas e distribuição de alimentos àqueles em situação de vulnerabilidade social.
Número de alunos: 280
Número de funcionários: 49 - entre contratados e cedidos
Grupo de Apoio Bom Pastor e voluntários: 45 pessoas
Prestigie!
Entrega do Troféu Professora Maria de Lourdes Furtado de Magalhães
Jantar dia 7 de outubro
Horário: às 20h30min
Onde: Salão Nobre do Clube Brilhante
Ingressos: podem ser adquiridos junto à secretaria da escola
Mais informações pelo telefone (53) 3223-0638
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